sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Resenha obra “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley.

Aldous Huxley foi um escritor inglês, um dos mais marcantes de sua época. De família abastada, recebera uma educação intelectual privilegiada. Tendo iniciado sua carreira por volta do ano de 1916, foi em 1932 que o autor publicara sua mais brilhante e conhecida obra intitulada “Admirável Mundo Novo”, uma distopia que previa um futuro dominado pela tecnologia, onde as pessoas eram “obrigadas a serem felizes”, numa sociedade onde cada membro do corpo social devia ter uma utilidade e agir sempre em nome da estabilidade social. Foi com esta obra que o autor se tornou conhecido internacionalmente.

O intuito desta resenha é não apenas descrever a obra supracitada, mas, sobretudo, realizar os paralelos entre o que Huxley brilhantemente relatou em sua obra sob forma de distopia com exemplos contemporâneos que podemos encontrar em nossa civilização ocidental, como a questão da engenharia genética, da engenharia social, a hipnopedia como meio de condicionamento do indivíduo, a “ditadura da felicidade” e o Soma, droga que era disponibilizada sob a promessa de a todos os males curar. Sem mais delongas, vamos à obra!


Brave New World, do inglês, é uma obra futurística carregada de uma visão crítica sobre o futuro da humanidade, esta que vive sob o lema “Comunidade, Identidade, Estabilidade”. Henry Ford (sim, o pioneiro na produção em grande escala e divisão do trabalho) era considerado um Messias, tanto que mesmo a história fora apagada e agora se segue uma ordem cronológica que vale a partir de Ford, onde o autor deixa bem claro que o mundo de fato seria outro após o fordismo. A história, portanto, ocorre no ano de 634 d.F (depois de Ford).

A história começa no Centro de Incubação e Condicionamento, onde se manipulam bebês de proveta, todos já predestinados a cumprir com sua função na sociedade. Estes bebês seriam propositalmente manipulados para nascerem com certa capacidade cognitiva e se encaixariam em um sistema de castas, onde “se dava a luz ” a crianças estritamente para atender a uma demanda da sociedade, como para serem trabalhadores em uma fábrica com serviço pesado, tarefas administrativas e mesmo os escolhidos que receberão todo um preparo e condicionamento refinado, tudo, como já vimos, em nome da estabilidade social, em uma sociedade que sofrera de uma grande guerra (A Guerra dos Nove Anos) e que agora mediante a este controle total das pessoas alcançou tal estabilidade, por meio do aumento do controle governamental centralizado. Nas palavras do próprio autor
                                         
       [...] numa época de tecnologia avançada a ineficiência é o pecado contra o 
  Espírito Santo. Um estado totalitário verdadeiramente eficiente seria aquele 
em que o executivo todo-poderoso de chefes políticos e seu exército de 
administradores controlassem uma população de escravos que 
não tivessem de ser coagidos porque amariam sua servidão.

Seria por meio do condicionamento infantil e de uma ciência completamente desenvolvida das diferenças humanas que poderiam os administradores deste admirável mundo novo alcançar tão almejada estabilidade, onde cada indivíduo detinha sua posição hierárquica social e econômica. Por fim, para sacramentar tal doutrinação, deveria ser desenvolvida uma nova droga que atuaria como substituta de narcóticos e do álcool, com promessas de aumento da produção do prazer, sob efeitos muito menos nocivos que estes. Com este plano em ação, uma série de mudanças ocorreria nesta sociedade, a primeira delas é de que todos agora são felizes, pois possuem conforto e desconhecem a dor, uma sociedade que detém uma droga (o Soma) que aliviaria qualquer angústia ou problema e, por fim, que agora abole a família, sendo qualquer laço familiar, como o simples fato de chamar uma mãe de “mãe” algo vergonhoso e jocoso, além de uma sociedade promíscua, onde cada um pertence a todos e o sexo é tão popular, sendo também o casamento algo abominado e mesmo desconhecido para muitas pessoas, estas que eram totalmente condicionadas a viver neste admirável (ou abominável) mundo novo, feliz e descolado. É neste ponto que poderíamos nos questionar se estaria Huxley prevendo um futuro onde há a quebra total da tradição e a ascensão de uma sociedade sem valores morais permanentes, o que nos permitira traçar um paralelo entre a obra de Zygmunt Bauman acerca de seu conceito de “Modernidade Líquida”. 

É ainda no prefácio da obra que o autor nos provoca dizendo:


[...] a menos que prefiramos a descentralização e o emprego da ciência 
aplicada, não como o fim a que os seres humanos deverão servir de meios, 
mas como o meio de produzir uma raça de indivíduos livres, teremos apenas
duas alternativas: ou diversos totalitarismos nacionais militarizados [...] 
ou então um totalitarismo supranacional suscitado pelo caos social. É escolher.


Dando continuidade à obra, o Diretor do DIC (Centro de Incubação e Condicionamento) apresenta o laboratório de fecundação a uma turma de alunos, jovens curiosos quanto ao procedimento de engenharia genética que permitiria esta estabilidade social por meio do controle das castas. Estas castas eram subdivididas em Alfas, grupo que ocupa o mais alto grau hierárquico na sociedade, representando as pessoas com o intelecto mais desenvolvido, havendo ainda uma divisão entre Alfas-Mais, Menos ou MaisMais, estes que seriam os detentores do conhecimento; Betas, pessoas com capacidade intelectiva razoável, similar a dos Alfas, porém sua posição na sociedade requer menor capacidade de pensamento, ou seja, possuem habilidades específicas para realizar determinadas tarefas; Gamas, pessoas que atuariam em funções de menor risco e funções administrativas e repetitivas; Deltas, que seriam pessoas “produzidas” em larga escala para realizarem o trabalho servil, e, por fim, os Épsilons, que trata, de fato, das pessoas que não sabem ler nem escrever e que ocupariam as funções mais pesadas da sociedade, como o trabalho em fundições, além de serem referidos como os estúpidos ou idiotas. Todas as pessoas passavam por um processo de condicionamento, porém apenas os três grupos mais baixos da hierarquia social, os Gamas, Deltas e Épsilons que eram formados pelo processo conhecido como Bokanovsky, este que consistia em um processo onde geneticamente apenas um óvulo poderia gerar até 96 gêmeos.

Tal processo se traduzia em um dos principais instrumentos da estabilidade social, pois representava o modelo de produção em série fordista aplicado à biologia. A ideia era padronizar toda a sociedade em nome do equilíbrio social, porém, felizmente, o número de pessoas que poderiam ser criadas através do processo era limitado, fato este lamentado pelos detentores do controle.

A história segue com o Diretor juntamente com um cientista chamado Foster descrevendo o processo de incubação e condicionamento dos embriões e bebês e as vantagens deste processo, se gabando pelo poder de manipular embriões e criar pessoas que poderiam se tornar tanto um Alfa como um Épsilon , o que fosse necessário ao corpo social. O Sr. Foster faz menção ao controle de oxigênio como forma de manipulação de um embrião de modo que ele tenha seu desenvolvimento abaixo do normal, pois o primeiro órgão a ser afetado pela insuficiência de oxigênio é justamente o cérebro, e o cientista finaliza dizendo que quanto mais baixa é a casta, menos oxigênio se dá.

Em meio a todo este processo, o lema da sociedade deste admirável mundo novo, segundo os administradores, era “amar o que se é obrigado a fazer”, pois fazer com que as pessoas amassem seu inescapável destino social era justamente o objetivo do condicionamento de pessoas, e aqui poderíamos novamente fazer uma provocação: seria este o dogma/lema da contemporaneidade pela busca da tão desejada eficiência, numa sociedade que não aceita perder tempo e que tem por obrigação intrínseca a otimização total do tempo, uma sociedade muitas vezes utilitarista e instrumental e que acaba por se distanciar de sua natureza em nome desta eficiência? Ou ainda, já não estaríamos sendo condicionados a pensar assim no modelo atual de sociedade consumista, onde devemos ter por obrigação o dever de alcançar intermináveis objetivos (isto no âmbito profissional de cada um de nós), para no final sermos pessoas que cumprem com seu papel na sociedade, consumistas e que fazem a “roda girar”, isto num processo ininterrupto e alienado? Paremos para pensar... 


No capítulo II o autor nos traz a questão da abolição das flores e do culto à natureza, em um processo de condicionamento onde crianças relacionariam a presença de flores e da natureza em si com sensações desconfortantes, de modo com que estas crianças passassem a evitar agora o contato com tal cenário. Esta mesma doutrinação ocorria com os livros, pois tal curiosidade e avidez pelo conhecimento eram evitadas neste mundo, pois as pessoas só poderiam aprender e saber o que os administradores quisessem que soubessem. Destarte, “as crianças cresciam com o que os psicólogos chamavam de “ódio instintivo‟ aos livros e flores” (p. 18). Segundo o próprio Diretor, isto se dava porque “o amor à natureza não estimulava a atividade de nenhuma fábrica” (p. 19). Toda atividade neste mundo deveria ter um fim que fosse interessante economicamente, e novamente podemos fazer uma reflexão quanto ao pensamento de Huxley na obra com o que temos hoje em nossa sociedade. Abolia-se o culto à natureza, pois não estimulava nenhum processo econômico, deste modo, acabava-se com as flores e os campos e no lugar erguiam-se construções de modo a estimular o consumo. Ora, não estaríamos aqui tratando da ascensão de construções de shopping centers, onde não havendo mais campos e natureza para se contemplar, as pessoas se reuniriam em grandes centros urbanos, agora estimulando o consumo e fazendo “a roda girar”? Destruíram a gratuita contemplação à natureza e no lugar nos ofereceram centros comerciais, e ao que parece temos perfeitamente  comprado esta oferta e plano... “Não se pode consumir muita coisa se se fica sentado lendo livros” (p. 33). São estes paralelos que fazem das distopias um gênero encantador de leitura!


Outro ponto que nos faz pensar criticamente com a obra – e teremos nesta resenha diversos pontos neste sentido – é quanto à aparente suscitação de um conflito entre castas, primeiro pela divisão das mesmas em trajes de cores diferentes, pois o autor faz menção diversas vezes a um certo orgulho em se pertencer a determinada casta, como mensagens de orgulho por pertencer a determinada casta ou críticas às demais, a exemplo, quando Lenina, uma jovem que ainda será inserida na trama, alega “estar contente por não ser um Gama”. Ora, somos diariamente bombardeados por informações irrelevantes e notícias de tragédias e males realizados por determinados povos ou tribos, o que poderia ser comparado à hipnopedia, porém contemporaneamente este trabalho está sendo realizado (possivelmente) pela mídia, que com sua polida missão de “apenas informar a realidade à população”, acaba por ser uma ferramenta tendenciosa e que faz a manutenção do ódio e preconceito contra as diversidades, reflexões que vão além da obra de Huxley e que se completa pela magnífica obra de George Orwell intitulada “1984”, porém que fogem ao propósito do atual trabalho.

Ainda nesta visita ao DIC, é levantada pelo Diretor a questão da sexualidade entre as crianças, onde o mesmo diz que, por algum motivo, brinquedos eróticos eram proibidos entre os pequenos, o que fora em uníssono repreendido pelos estudantes presentes, pois brinquedos eróticos neste novo mundo são considerados normais e totalmente liberados. O Diretor ainda advertiu aos alunos dizendo que “quando não se tem o hábito da história, os fatos relativos ao passado, em geral, parecem mesmo incríveis ou absurdos” (p. 24), e como sabemos, toda a história fora recriada, passando a valer agora apenas o mundo do pós-fordismo. Estaria Huxley nesta passagem prevendo o colapso moral iminente na sociedade, onde cada vez mais precocemente crianças são apresentadas ao mundo erótico e sexual, através da mídia, da internet e da própria arte e música?

No meio da visita, surge um homem chamado Bernard Marx, um dos personagens principais da obra, mas que por hora é tratado sem muita importância pelos presentes na visita. Bernard aparece de forma meio efusiva para se dirigir ao Diretor do DIC, informando sobre a chegada do que eles denominavam de “Sua Fordeza”, Mustafá Mond, o Administrador Residente da Europa Ocidental, Um dos Dez Administradores Mundiais, cuja primeira mensagem à turma fora “A história é uma farsa” (p. 25).

A história não era ensinada, pois a falta de sensibilidade e de senso crítico é proposital. Mustafá Mond continua sua fala indagando aos alunos se eles sabem o que significa viver “no seio familiar”, e nenhum dos alunos soubera responder tal questão, mas apenas abanaram as cabeças. O processo de nascimento natural era tido como um processo “vivíparo” pelas pessoas deste admirável mundo novo, sendo totalmente abominado, e para tal, mulheres andavam com cintos malthusianos como técnica anticonceptiva, sem contar na existência de mulheres “neutras”, ou seja, estéreis e que estariam livres deste “inconveniente”.

Migrando para outro cenário, surge Lenina Crowne, uma Beta e muito atraente mulher que será muito importante ao longo da trama. Lenina aparece entrando no banho, em uma espécie de sistema altamente desenvolvido, onde a pessoa entra em um sistema inteligente que se encarregava de dar banho na pessoa, secá-la e perfumá-la em instantes. Lenina inicia um diálogo com Fanny, sua amiga, e aqui podemos já ver como eram tratados os relacionamentos duradouros e o amor entre os casais. Lenina pergunta à sua amiga com quem ela irá sair à noite, de um modo incomodamente natural. Sim, nesta sociedade o lema era “cada um pertence a todos”, e laços amorosos ou compromissos sérios eram algo completamente defasados, e se uma pessoa fosse desejada, bastava apenas uma única pergunta: você já tem com quem acoplar hoje à noite? O simples fato de se relacionar repetidas vezes com uma mesma pessoa já era repreendido nesta sociedade. O romance, a fidelidade, os laços familiares, tudo isto é rechaçado, como bem mostra as próprias palavras de Mustafá Mond aos alunos Alfa:

A família, a monogamia, o romantismo. Em toda parte o sentimento de 
exclusividade, em toda parte a concentração do interesse, uma estreita 
canalização dos impulsos e da energia [...] Mas cada um pertence a todos.

Huxley via um mundo onde a dor, as doenças e os inconvenientes da natureza humana teriam sido eliminados, onde agora reina apenas a felicidade e a satisfação dos prazeres. Nas palavras do próprio Administrador, nós, os pré- modernos, seríamos “loucos, perversos e desgraçados” (p. 29)!

Lenina era uma mulher que já estava começando a se cansar de relacionamentos fugazes e superficiais, começando a dar indícios de que máximas como “cada um é de todos” a incomodava, mas era sempre repreendida por sua amiga Fanny, pois devia se “portar convenientemente”.

Bernard Marx era um Alfa-Mais e outra pessoa que demonstrava certo desconforto com esse mundo tão isento de dores, inconvenientes e tão facilitador . Em uma conversa entre Lenina e Fanny, sua amiga, surge a ideia de Lenina e Bernard Marx saírem juntos, Bernard que acumulava um sentimento de afeto por Lenina, esta que de certa forma retribuía, apesar de no fundo também o achar uma pessoa estranha e de desconfiar de que os rumores acerca da inclusão do Álcool em sua carga genética eram reais. Bernard propõe a Lenina um passeio para uma Reserva de Selvagens, algo que era bem excêntrico neste mundo, pois os ditos selvagens eram pessoas que não aceitavam viver nesta “ditadura da felicidade” e que cultivavam ainda alguns de nossos costumes. Todavia, um passeio a uma Reserva de Selvagens era encarado como uma visita ao zoológico. Esta viagem irá mudar completamente o rumo de toda a história neste Admirável Mundo Novo.



Bernard era um especialista em hipnopedia e sempre ficava intrigado quando via as pessoas repetirem os jargões que lhes foram implantados em seus subconscientes ou agindo em conformidade com as frases hipnopédicas, devido ao seu espírito curioso e questionador, proveniente da pequena falha ocorrida quando de sua criação, a inclusão de Álcool em seu pseudo-sangue. O Alfa-Mais sempre rejeitava o Soma e era bastante cético a aforismos como “com um centímetro cúbico se curam dez sentimentos lúgubres” (p. 36) ou “um grama vale mais que o “ora” que se clama” (p. 36), relacionados à droga (o Soma), além de alimentar uma insegurança devido à sua baixa estatura e massa muscular, pois os Épsilons, por exemplo, foram condicionados a associarem a massa corporal com a superioridade social. Bernard também era conhecido e criticado por não gostar dos jogos bastante populares e famosos neste Admirável Mundo Novo, o que lhe rendia maus comentários, além de ter o hábito de fazer as coisas em sua intimidade, o que era também quase que uma heresia neste Novo Mundo.

Uma figura muito importante na obra e que vale a pena tocar antes de adentrarmos na viagem de Bernard Marx e Lenina Crowne à Reserva dos Selvagens é o (único) amigo de Bernard, Helmholtz Watson, este que era também um Alfa-Mais e representava a verdadeira figura do homem adequado a este Admirável Mundo Novo, ocupando um cargo importante na sociedade, sendo o tipo de pessoa sociável que todo mundo almejava, tendo sido inclusive acreditado que Helmholtz tenha possuído seiscentas e quarenta mulheres num período de apenas quatro anos! Mas apesar do total enquadramento social, algo em que seu amigo deslocado Bernard Marx sempre desejara, Watson sentia um vazio dentro de si e em determinado momento concluiu que todas estas coisas bem vistas pela sociedade não passavam de coisas de secundária importância, iniciando uma jornada de produção de rimas, que posteriormente este iria descobrir se tratar de POESIA, que é onde entrará a figura de John, o selvagem, o que em breve trataremos. Helmholtz dizia coisas como “você nunca sentiu a sensação de se ter em si alguma coisa que, para se exteriorizar, espera somente que você lhe dê a chance?” (p. 44) ou “sinto que poderia fazer coisas bem mais importantes. Sim, e mais intensas e violentas” (p. 44), mas este seu lado sensível sempre fora rejeitado pelas pessoas de seu meio e encarado como perigoso pelos Administradores.

Em todas as conversas entre Bernard e Lenina o jovem Alfa-Mais era repreendido por suas inclinações e desejos, como em ficar sozinho, em ser livre e em não ser útil à sociedade, o que lhe rendia reprimendas por parte da jovem Lenina como “porque você não toma uma dose de Soma quando tem essas ideias horríveis?” 

Bernard, que devido a seu cargo era um dos únicos que tinha autorização para solicitar uma viagem para uma Reserva de Selvagens, decidiu convidar Lenina para realizar tal passeio. Próximos a entrar na Reserva, advertira Lenina de que lá não existiam perfumes, televisão e nem mesmo água quente, e que se ela se julgava incapaz de lidar com tais desconfortos, que ficasse para trás, mas Lenina sente-se ofendida e decide ir junto com Bernard. Ambos foram advertidos quanto aos inconvenientes que possivelmente encontrariam na Reserva e sobre a orientação de ficarem sempre longe das cercas ao redor do local, pois tocar na certa significava morte instantânea, pois “não havia meio de escapar de uma Reserva de Selvagens” (p. 61). O Conservador, que seria responsável por levar o casal à Reserva, lhes disse inclusive que aqueles que nasciam na Reserva estavam destinados a morrer nela! Gravidez, casamento, família, superstições, o culto aos antepassados e até mesmo a presença de animais ferozes foram coisas em que o Conservador da Reserva fez questão de relatar ao casal quanto sua existência, mas, não obstante, o casal procedera com a viagem, e felizmente, pois isto mudará todo o rumo da história!


Enfim, é chegada a hora. O casal finalmente chega à Reserva dos Selvagens, chamada de Malpaís. De imediato, ambos se sentiram impactados com a diferença de cenário, sobretudo Lenina, que se pôs a constantemente reclamar da sujeira, da desorganização, moscas e até mesmo o mau cheiro das pessoas, fazendo perguntas do tipo “Mas como é que podem viver assim? (P. 66), e Bernard, apesar do susto, continha um tom ainda irônico, replicando Lenina com frases como “civilização é esterilização” (P. 66), em referência às lições de hipnopedia de higiene elementar.

Lenina nunca tinha visto uma pessoa idosa, e ficou horrorizada ao se deparar com pessoas “cujas secreções internas não foram mantidas ao nível da juventude” (P. 66), ostentando, portanto, todos os traços de uma pele engelhada . A jovem Beta sentia recusa à intimidade entre as pessoas de Malpaís, e sentira-se extremamente incomodada ao se deparar com a cena de duas mulheres amamentando seus bebês, o que provocou o pensamento por parte de Bernard se não lhes teriam algo em falta justamente devido à ausência desta figura e aproximação materna em suas vidas. O estopim deste choque de culturas fora quando os dois presenciaram uma espécie de culto religioso, onde um homem seguia uma trilha por onde era severamente  açoitado, até que caiu, algo que era totalmente incompreensível por parte dos civilizados, os quais não sentiam mais dores físicas e tampouco viam propósito em sacrifícios. Neste momento, o Soma fora fortemente desejado por Lenina... É neste momento que surge um jovem de pele branca e olhos azuis, se lamentando, pois era ele quem devia estar naquele lugar se sacrificando, porém devido a sua cor, as pessoas de Malpaís o rejeitaram.

Tratava-se de um ritual para que se fizesse chuva e crescesse o trigo (P. 70), e o jovem de olhos azuis desejava estar fazendo aquele sacrifício por conta própria, o que era extremamente incompreendido pelo casal, pois não enxergavam o sentido na dor e no sacrifício, sobretudo por se tratar de superstição.

O jovem se pôs a contar sua mirabolante história, pois notava que o casal era diferente e que poderiam ter vindo do Outro Lado, história que sua mãe, Linda, sempre costumava contar a John. Havia uma lenda de que o Diretor do Centro de Incubação e Condicionamento, Thomas, havia viajado para esta mesma Reserva a alguns anos atrás com uma jovem chamada Linda, e que por um infortúnio Linda se acidentara e Thomas acabou por deixa-la abandonada em Malpaís, acreditando que a jovem tivesse morrido. Bernard, ao ouvir o selvagem, imediatamente reconheceu a história e se pôs a escutar atentamente cada detalhe do que o jovem dizia, até que John resolveu levar o casal a Linda, sua mãe, esta que apesar dos anos em Malpaís, ainda conservava os costumes dos civilizados, nunca admitindo ser chamada de mãe por seu filho, mas apenas de Linda.

Linda, que devido à ação do tempo se encontrava bastante debilitada e descompensada, de chofre reconheceu o uniforme de Lenina, e lembranças daquele admirável mundo lhe veio à mente, até que por um impulso pulou na jovem Beta, Lenina, e se pôs a chorar, causando grande repúdio a Lenina, pois com o tempo se fora a beleza de Linda, remanescendo hoje apenas um corpo prejudicado pelas más condições de vida, em sobrepeso e coberto de manchas.

Os quatro continuaram a conversar e Linda passou a descrever quão horrível fora a permanência em Malpaís neste tempo todo, como era julgada e até mesmo agredida por se portar de maneira imoral (de acordo com as regras daquele lugar), por ter que agora remendar suas roupas, no lugar de descartalas e adquirir roupas novas, além do fato de ter tido um bebê como um vivíparo, isto é, tendo concebido John, seu filho, de maneira natural. Linda dizia como sentia falta de suas doses do Soma, e como devia se contentar com as doses de um líquido que Pope, um rapaz que ela conheceu em Malpaís, lhe trazia vez ou outra. A atenção voltou-se para John, e sua mãe lhes contou breves fatos sobre a infância de John, que sempre viveu excluído e hostilizado por aquela sociedade de “selvagens”, o que de alguma forma sempre o impulsionava a ler mais e mais, pois quando ainda garoto John encontrou abandonado um livro velho e pôs a se interessar pela leitura. 

De súbito, Bernard teve uma grande ideia e perguntou a John se este não tinha interesse de retornar a Londres juntamente com o casal, o que por uma desavença com o Diretor do DIC lhe poderia ser muito útil. Afinal, aquela velha história que crescera ouvindo a respeito de uma Beta que ficara abandonada em uma Reserva de Selvagens era real!

“Oh, admirável mundo novo” (P.81), tais foram as palavras de John quando terminou de ouvir atento o convite de Bernard, impressionado, pois finalmente se tornaria realidade tudo aquilo que o jovem loiro de olhos azuis sonhara por toda a vida.

Bernard conduzira a situação de modo a voltar com o selvagem e Linda, fazendo contato com a Sua Fordeza, Mustafá Mond, sobre algo que talvez fosse de seu interesse, mais especificamente, cientificamente interessante para o Administrador. O Administrador sabia do incidente ocorrido com o embrião designado a ser um Alfa-Mais que acabou por ter adicionado em seu pseudosangue equivocadamente certa quantia de Álcool, passando Bernard a ser uma espécie de experiência para Mustafá Mond, e agora este verá nesta oportunidade a possibilidade de realizar outro experimento, inserindo o selvagem em uma sociedade civilizada e estudando as interações entre estes dois tipos de pessoas e seus resultados. Destarte, fora com entusiasmo que o Administrador Geral aceitou a proposta de Bernard de retornar com Linda e seu filho para o Admirável Mundo Novo.

Em seu retorno, Bernard teve de comparecer (e demonstrou ter gostado muito disso) à sala do Diretor Thomas, que mesmo antes da viagem do Alfa-Mais já demonstrava certa insatisfação e desejo de puni-lo, sob alegações de que este seria um risco à estabilidade social, devido à sua falta de ortodoxia. O Diretor pretendia exonerar Bernard por considera-lo um subversor devido ao seu exemplo antifordiano, mas não sabia o que o Alfa-Mais havia o preparado. Os boatos que sempre escutava a respeito do Diretor sobre o abandono em uma Reserva de Selvagens era enfim real, e agora estava com ele Linda e o seu filho, John, e Bernard, de chofre, ordena que os dois entrem quando questionado pelo diretor se havia alguma razão para que este não executasse seu plano de enviá-lo para a Islândia, o que causa uma grande histeria por parte das pessoas que trabalhavam na Sala de Fecundação, pois Linda reconhece deu Thomakin, mas não era mais a mesma, pois hoje seu corpo já cedeu à ação do tempo, ostentando rugas e com uma silhueta muito fora dos padrões deste Novo Mundo, além de John, ao ver seu pai, que o chama efetivamente de “pai”, se traduzindo no estopim para o Diretor, que se retira de tanta vergonha e acaba por pedir sua transferência por não considerar mais ser possível trabalhar neste mesmo ambiente de trabalho após tamanha e vergonhosa cena. Bernard, portanto, acaba por não ser exonerado e ganhará o status nesta sociedade que ele sempre desejou, mas que acabara por corrompê-lo, que veremos mais adiante.

No retorno à civilização, Linda teve seu espaço reservado neste mundo, que era o que ela própria apenas desejava, ficar sob o efeito do Soma até seus últimos dias, o que fora perfeitamente providenciado, pois as pessoas do Admirável Mundo Novo não demonstravam nenhum interesse nela, pois se tratava apenas de um estranho e obsceno acidente, sem contar que Linda por não ser uma selvagem de nascença, não poderia apresentar ideias originais, o que era afinal o objetivo com a experiência com John por Mustafa Mond. John, por sua vez, recebera o sobrenome de “Selvagem” e acabou por ser inserido neste mundo civilizado, tendo como seu mentor o próprio Alfa-Mais, Bernard Marx, que acabara se tornando seu confidente, pois este (o selvagem) ainda tinha utilidade para a sociedade, diferentemente de sua mãe, cujo destino fora sucumbir às doses de Soma até sua morte.


Era em John que todos estavam interessados, e sua proximidade com John fizera com que a reputação do Alfa-Mais crescesse, a ponto de não mais se comentar sobre o Álcool em seu pseudo-sangue. Bernard se tornou, enfim, popular e mudara drasticamente desde a chegada de John, o selvagem, que agora ocupará a posição central na obra como personagem principal.

O selvagem já em seu período inicial neste Novo Mundo já demonstrava incompreensão para com as coisas criadas por este mundo para facilitar a vida das pessoas, e como escrevera Marx em um de seus relatórios, o selvagem “manifesta surpreendentemente pouca admiração ou reverência diante das invenções da civilização” (P. 91), além de demonstrar interesse pelo que ele (o selvagem) denomina de “alma”, o que fora relatado ao Administrador Geral. 

Começa então uma jornada neste Novo Mundo pelo Selvagem, que andava incomodado e abismado pelas coisas jamais vistas antes por ele existentes neste mundo. John visitara laboratórios para conhecer o processo de incubação dos embriões, conhecera centros de condicionamento hipnopédicos e teve acesso aos meios de entretenimento das pessoas desta civilização, como o uso liberado do Soma, os jogos sem sentido e as sessões de cinema sensível. Por outro lado, mantinha seu senso crítico quanto à “evolução” existente neste mundo, chegando a indagar, quando em passagem por uma biblioteca, se as pessoas liam Shakespeare, recebendo como resposta, em tom de negação, que “se os jovens precisassem de distração, que poderiam encontra-la no cinema sensível, pois não estimulamos as pessoas a procurarem qualquer tipo de distração solitária” (P. 94)

John, como já falamos, era um ávido leitor de Shakespeare e absorveu toda a sensibilidade do escritor inglês, se portando e encarando o mundo de maneira completamente distinta da dos ditos civilizados, tendo inclusive acabado por se apaixonar por Lenina, mas não conseguia demonstrar seu amor, pois tampouco se via como alguém digno de ser amado por tão bela moça, esta que por sua vez atuava de forma contrária, pois também acabou se apaixonando pelo selvagem e alimentava bons sentimentos e desejos por este, mas não entendia porque o jovem a evitava e colocava empecilhos na frente dos dois, como a necessidade de se realizar sacrifícios para provar de que era digno de seu amor, pois fora doutrinada a ter tudo o que quisesse na hora que lhe fosse desejável, sendo, portanto, apenas necessário ao jovem demonstrar vontade de relacionar com ela para que isto acontecesse. Um grande imbróglio que se estenderá por toda a trama. Quão complexos são os sentimentos e as emoções humanas, é devido a isto este plano de estabilidade social a qualquer custo, pois o conflito entre as emoções gera instabilidade.

Certa ocasião, Lenina convidou John para assistir uma sessão de cinema sensível em sua companhia, e o jovem acabou por aceitar. O que não sabia era de que o filme se tratava de uma adaptação não fidedigna à obra original de Shakespeare, o que John, por seu um ávido leitor do bardo inglês, de chofre, percebera, causando uma grande revolta em seu interior, o que não fora compreendido por Lenina, naturalmente, pois esta, condicionada, sequer sabia quem era William Shakespeare. Por fim, John achou o filme horrível e Lenina ficara ainda mais intrigada pensando em como uma pessoa que aparentava alimentar sentimentos por ela (e vice-versa) podia dizer tamanhas esquisitices.

 A rotina de John, agora o protagonista da história, era bem corrida. Contudo, o jovem não via muito sentido naquelas coisas em que ele deveria fazer ou gostar de fazer, e devido a este impasse com Lenina (ao seu sentimento de paixão), acabara caindo em um estado de tristeza e solidão, e justamente no dia em que Bernard preparara uma grande festa, convidando grandes nomes importantes da sociedade para conhecer John, este se recusara a aparecer na festa, causando grande desconforto entre os convidados e, por fim, dando cabo a tão almejada popularidade do Alfa-Mais, que se deixara corromper devido à popularidade, tendo inclusive se distanciado de seu amigo de longa data, Helmholtz Watson. John, o Sr. Selvagem, estava enfadado com esta rotina do Admirável Mundo Novo e solitário devido ao sentimento de paixão que queimava em seu coração, e manteve-se em seu quarto lendo Romeu e Julieta.

A partir de então, Bernard voltara a ser aquele jovem de antes, de baixa autoestima, questionador e inseguro, o que fizera com que seus laços de amizade com o selvagem de estreitassem novamente, pois, segundo as palavras do próprio John, “Bernard estava mais parecido com o que era em Malpaís agora” (P. 102), demonstrando agora novamente profunda simpatia pelo Alfa-Mais, agora desinflado (e infeliz). Outra vítima da popularidade de Bernard fora Helmholtz, mas que após este evento o jovem Alfa-Mais acabou por se redimir com seu amigo, tendo sido bem recebido pelo mesmo, e Helmholtz compartilhara com Bernard algumas mudanças que estavam ocorrendo com sua pessoa, e declarou ao seu amigo que estava tendo problemas com a Autoridade, pois havia sido severamente advertido e repreendido por mostrar uma de suas obras (rimas) para seus alunos, obras estas que versavam majoritariamente sobre a solidão, indo de encontro a todo o trabalho hipnopédico realizado nas pessoas desde crianças. É neste conflito e forma de se expressar de Watson que ele acabara por iniciar uma sincera amizade com John, o selvagem, que também simpatizava com o lado solitário e sacrificioso da vida.

Helmholtz Watson ouvira algumas frases recitadas por John e se demonstrou extremamente excitado com a profundidade daquelas palavras, mas quando John se pôs a recitar passagens de Romeu e Julieta, Helmholtz, por ser um condicionado, acabou demonstrando uma extrema falta de sensibilidade para com a literatura de Shakespeare, tão cara ao selvagem, fazendo com que este ficasse completamente chateado. Ora, a ideia de um homem sucumbir à tristeza por causa de uma mulher, uma pessoa ser obrigada a casar-se com outra e o próprio fato de a um homem não ser possível “possuir” uma mulher eram ideias totalmente incompreensíveis para este Alfa, que por mais questionador que fosse, passara por diversas horas de trabalhos hipnopédicos para que sua personalidade fosse formada. John se viu indignado e “com o gesto de alguém que retira suas pérolas da frente dos porcos, guardou-o 40 na gaveta, que fechou a chave" (P. 105).

O romance não continuado entre Lenina e John se tornará deste ponto em diante grande parte da história do livro. Lenina uma noite aparece no apartamento de John e se convida a entrar, propondo uma conversa franca entre os dois, mas a todo tempo provocando o selvagem, até que esboça uma intimidade forçosa, pedindo que o selvagem a “beije com rudeza” (P. 111), fazendo com que, de reação, o selvagem se veja repleto de cólera e a expulse de casa, insultando-a por ter sido tão “oferecida”, pois era simplesmente incompreensível e inconcebível esta facilidade e popularidade do sexo neste Novo Mundo pelo “aluno de Shakespeare”, momento este que na trama John pela primeira vez deu motivos para ser chamado de “selvagem”, pois em um momento de repleta raiva apertou o braço de Lenina e pôs a chama-la de prostituta41. Lenina, portanto, cai em profunda solidão e rejeita mesmo Henry Foster, homem pelo qual no início da história estava apaixonada, este que chega a crer que Lenina estivesse doente.

Por sorte, John recebera um telefonema urgente o convocando a comparecer ao Hospital de Park Lane para Moribundos, a respeito de sua mãe, Linda, e Lenina pôde voltar para casa. Neste momento acontece um fato curioso na trama, pois ao ligarem para o Selvagem, não esperavam que este comparecesse de fato ao hospital para ver sua mãe partir, mas apenas para informar-lhe do ocorrido, mas John ignora toda a cordialidade neste momento por parte das pessoas do hospital e arranca olhares horrorizados das pessoas ao querer ir ao encontro de Linda, algo que era inexistente neste Novo Mundo, a lamentação pela perda e a não aceitação da morte.



John encontrara sua mãe com um aspecto de felicidade imbecil e com um sorriso irregular e descorado de contentamento infantil, sob a influência do Soma e de frente para a TV', citando frases hipnopédicas, e tentava ali fazer seu último contato íntimo com sua mãe neste momento de dor. Todavia, se revolta com uma turma de crianças que estavam passando pelo seu “condicionamento para a morte” que demonstra total desrespeito à passagem de linda e completa inconveniência ao perguntar ao próprio John coisas como “Por que ela é tão gorda assim?” (P. 116). O Selvagem se viu em fúria e chegou a agredir um dos pequenos, até que fora repreendido pelas pessoas responsáveis pelo programa de condicionamento, mas mediante a sua posição ameaçadora, fez com que esvaziassem a sala, finalmente permitindo a John seu desejado momento de paz e tranquilidade com sua mãe. John sentia vontade de tirar sua mãe daquele sonho ilusório de prazeres, mas sabia que era tarde, e que era chegada a hora de Linda partir, até que os olhos de Linda se fecham e John cai em profundo desespero de joelhos junto à cama, lamentando a perda de sua mãe. 

Ao sair da sala, deixando o corpo de sua mãe já sem vida, John se viu desolado e ao passar pelas pessoas em seu caminho, inconscientemente empurrava as pessoas de modo a abrir seu caminho. John já se demonstrava exausto e enfadado com a mesmice deste Admirável Mundo Novo, onde por todos os lados se viam gêmeos e padrões estabelecidos.

Ele despertou novamente para a realidade 
exterior, olhou em torno de si, reconheceu
 o que estava vendo – reconheceu, com uma
 desalentadora sensação de horror e repugnância
,o delírio incessantemente renovado de seus
 dias e suas noites, o pesadelo da pululante 
mesmice indistinguível. Gêmeos, gêmeos...

E assim, pôs a declarar “Como há aqui seres encantadores [...] Como é bela a humanidade! Oh, admirável mundo novo...!” (P. 120), até que ouviu alguém informando que distribuiria Soma para as pessoas, o que gerou um estado de euforia por parte da população e corre-corre na busca por serem os primeiros a receberem sua dose de Soma. John, já saturado deste mundo e por ter visto o que a droga havia feito com Linda, em nome de sua mãe sentiu-se no dever de acordar a multidão desta prisão. John, no final das contas, não queria que as pessoas morressem como Linda, desejando afastá-las desta dependência e controle. “Não tomem essa droga horrível. É veneno, é veneno” (P. 121) – Dizia John, “Veneno para a alma, assim como para o corpo” (P. 121). O Selvagem ingenuamente clamava por liberdade e achava que as pessoas iriam também aderir a este sentimento de liberdade contra a disfarçada opressão neste Novo Mundo, mas seu plano acabou dando errado e, do contrário, as pessoas acabaram se rebelando contra o jovem, amante da poesia.

Neste momento, Bernard e Helmholtz se perguntavam por onde estaria John, até que recebera Helmholtz uma ligação de um amigo informando sobre o ocorrido, partindo os dois para o Hospital de Park Lane. Chegando lá, se depararam com o Selvagem proferindo palavras como “Vocês gostam de ser escravos? Gostam de ser bebês? Sim, bebês, choramingas e babões” (P. 122), até que John pôs a atirar as caixas de comprimidos da droga pela janela, causando um estado de euforia e ódio por parte da população, que queriam agora matá-lo.

Bernard e Helmholtz se inseriram na confusão para proteger seu amigo John, e a fúria das pessoas pela falta do Soma apenas foi interrompida em tempo de salvar os três pelos policiais que irromperam no local, estes que lançaram mão de diversas táticas que mesmo hoje podemos ver em casos de conflitos, como jogar na multidão uma espécie de distração, como ocorrera com a Caixa de Música Sintética Portátil, vir com palavras brandas e se dirigindo com tom infantil às massas e, por fim, a força bruta, quando o Estado faz uso da força bruta exclusiva e legítima a ele, em nome da estabilidade social. Os três, por fim, foram retirados com alguns ferimentos da sala pelos policiais, e é neste ponto que Bernard começara a esboçar traços de covardia e de que iria trair seus amigos, por medo do que poderia acontecer a ele, medo este já inexistente tanto no Selvagem quanto em Watson.


Este foi um episódio de grande repercussão e que não poderia ser ignorado pelo Administrador Mustafá Mond, que convidara os três a comparecer em seu gabinete para uma conversa franca acerca da civilização e do futuro de cada um. Bernard se mostrava cada vez mais nervoso e com medo do porvir, enquanto que o Selvagem lançava olhares ao redor da sala para os livros nas estantes, com ar de curiosidade.

Ao entrar na sala e após cumprimentar os três jovens, o Administrador perguntou a John: “Quer dizer que não gosta muito da civilização, Sr. Selvagem?” (P. 125), e John, que estava disposto a mentir, acabou por ser sincero, replicando ao homem em bom tom “Não.”. Devido à sua curiosidade, John acabara descobrindo que o Administrador Geral também havia lido Shakespeare, e conhecedor de quão brilhante era o autor, questionou ao Administrador o porquê das pessoas não terem acesso a leituras como esta, quando recebeu a resposta de que livros como estes estavam proibidos, sob a justificativa de serem antigos e belos, pois em uma sociedade que eliminara a história, coisas antigas não faziam mais sentido (ou tinham utilidade), assim como era prejudicial à estabilidade social as coisas belas. “Nós não queremos que ninguém seja atraído pelas coisas antigas. Queremos que amem as novas” (P. 126) – Dizia o Administrador, e John não entendia o motivo de abolir as coisas belas em nome das novas, que eram tão estúpidas e horríveis, mas, de súbito, se lembrou da reação de Helmholtz quando ouvira uma passagem de Romeu e Julieta, e enfim compreendera um pouco sobre o que Mustafá Mond estava falando.

“O mundo não era o mesmo de Otelo49” (P. 126) – Dizia o Administrador, acrescentando que o mundo havia mudado e que tínhamos enfim obtido a tão desejada estabilidade social, onde agora todos eram felizes e têm tudo o que desejam, em segurança. E ainda:

O mundo agora é estável. As pessoas são felizes
 têm o que desejam e nunca desejam o que não podem
 ter. Sentem-se bem, estão em segurança; nunca
 adoecem; não têm medo da morte; vivem na ditosa
 ignorância da paixão e da velhice; não se acham
 sobrecarregadas de pais e mãe; não têm esposas
 nem filhos, nem amantes, por quem possam sofrer 
emoções violentas; são condicionadas de tal
 modo que praticamente não podem deixar de 
se portar como devem. E se por acaso 
alguma coisa andar mal, há o Soma.

Por fim, conclui satirizando que o selvagem fora audacioso ao achar que os Deltas saberiam o que significava Liberdade, sendo ainda mais petulante em querer agora que os Épsilons compreendessem Otelo. “Nós sacrificamos a grande arte. Temos, em seu lugar, os filmes sensíveis e o órgão de perfumes” (P. 127), o que permite às pessoas terem sensações agradáveis.

O Selvagem reprova as palavras do Administrador, que concorda que tudo isso parece absolutamente horrível e que declara:

a felicidade real sempre parece bastante sórdida em
 comparação com as supercompensações do sofrimento.
 E, por certo, a estabilidade não é, nem de longe,
 tão espetacular como a instabilidade. E o fato de se estar
 satisfeito nada tem da fascinação de uma boa luta 
contra desgraça, nada do pitoresco de um combate
 contra a tentação, ou de uma derrota fatal sob os golpes 
da paixão ou da dúvida. A felicidade nunca é grandiosa.

John insiste repudia mais ainda este Novo Mundo, onde em nome da estabilidade social destruíra-se a liberdade do homem, pois agora não passam de meras “pessoas úteis”, sem dignidade. A técnica Bokanovsky era a responsável por esta desgraça, criadora de mentecaptos e pessoas totalmente manipuláveis, onde Mustafá Mond responde: “eles são o alicerce sobre o qual está edificado tudo o mais. São o giroscópio que estabiliza o avião-foguete do Estado na sua rota imutável.” (P. 127)

Mustafá Mond queria fazer seu ponto quanto à necessidade da existência de uma casta inferior para realizar o serviço pesado, como ele mesmo diz “Um homem decantado como Alfa, condicionado como Alfa, ficaria louco se tivesse de fazer o trabalho de um Épsilon Semi-Aleijão” (P. 128), facilmente manipulável para agir em conformidade com a vontade do governo e dominantes. De súbito, veio à mente de John a ideia de que se eles podem criar grandes massas de Épsilons, por exemplo, porque então não criam todos como Alfa-Mais? O Administrador, por fim, retrucou: “Porque não temos nenhuma vontade de que nos cortem a cabeça. Nós acreditamos na felicidade e na estabilidade. Uma sociedade composta de Alfas não poderia deixar de instável e infeliz” (P. 127), e declarou ser certo o que ele falava, pois mesmo experiências já tinham sido realizadas neste sentido, como a experiência de Chipre. 

Prosseguira Mustafá Mond, dizendo: “A população ótima obedece ao modelo do iceberg: oito nonas partes abaixo da linha de flutuação e uma nona parte acima dela” (P. 128), onde neste sistema eram mais felizes os que viviam abaixo da linha de flutuação que os que viviam acima dela (a pequena parcela detentora dos privilégios), afinal, “ignorance is bliss”. Diversos testes foram realizados, assim como questões foram levantadas acerca da obtenção do ponto ótimo da sociedade, mesmo a cogitação da redução da jornada de trabalho das castas inferiores, mas o que acabara por se traduzir apenas em uma “perturbação na sociedade e um acréscimo do consumo de Soma” (P. 129). Por fim, o ponto ótimo da sociedade fora encontrado, de modo que o Administrador alega não mais ser necessário mudar, dizendo inclusive que a própria ciência se tornara perigosa, pois “toda mudança é uma ameaça à estabilidade, e toda descoberta da ciência pura é potencialmente subversiva” (P. 129), devendo a própria ciência ser tradada como um inimigo possível.

Bernard Marx, que estava a escutar (já no gabinete do Administrador) o diálogo entre o Selvagem e o Administrador, pôs a se queixar e se acovardar quando escutou que eles estariam prestes a serem enviados para uma Ilha abandonada, de maneira aleatória. Não aceitava o fato e o via em desespero, mas Mustafá queria informa-lo que ele deveria encarar esta viagem como um presente, pois iriam para um lugar povoado por pessoas que não aceitavam a ortodoxia e acabaram desenvolvendo a consciência de sua individualidade e liberdade para se adaptar à vida comunitária. O convite havia sido dado ao Administrador, mas este preferiu esta vida, apesar de às vezes lamentar ter abandonado a ciência. Afinal, fora com este modelo vigente de sociedade que a humanidade registrou o equilíbrio mais estável de sua história.

Por fim, após este longo discurso (imprescindível em qualquer resenha que busque trazer traços de uma distopia à realidade), Mustafá completa dizendo que fica feliz por existirem tantas Ilhas para onde possam enviar as pessoas que não se encaixavam nesta sociedade feliz a qualquer custo, pois do contrário, seriam obrigados a “metê-las todas na câmara de gás”.



Terminada a conversa, ficara decidido que Bernard Marx e Helmholtz Watson seriam enviados para uma Ilha de sua escolha. Contudo, estava em discussão ainda o futuro e a vida do Selvagem neste mundo, num diálogo agora apenas entre os dois, John e Mustafá Mond. Continuam as indagações. Foram a arte, a ciência e mesmo a religião suplantadas. Havia neste antigo mundo uma figura chamada Deus, e o Administrador puxa uma sequência de livros em sua estante para o Selvagem, como A Bíblia Sagrada, A Imitação de Cristo e As Variedades da Experiência Religiosa, e ao ser questionado, Mustafá responde dizendo que pelo mesmo motivo que Otelo não é disponibilizado à grande massa, estas obras também não são, pois eram antigas, e que os homens mudaram.

 John não aceitava o fato de Deus ter sido apagado da história, e dizia: “Não fomos nós que nos fizemos, não podemos ter a jurisdição suprema sobre nós mesmos [...] Somos propriedade de Deus” (P. 133), mas Mustafá era irredutível quanto a apresentar as vantagens deste Novo Mundo, sobretudo pelo fato de todos odiarem a solidão, onde John se dá conta que não se adaptara em nenhuma das duas sociedades, tendo enfrentado dificuldade no enquadramento social em ambas devido ao seu modo de ser, sendo excluído devido a sua cor em Malpaís e assediado no Novo Mundo, onde queria apenas sossego.

O Selvagem, por fim, acaba dizendo que não suportava este mundo onde as emoções humanas haviam sido suplantadas, e que não queria conforto, mas “Deus, poesia, perigo autêntico, liberdade bondade, pecado. Enfim, reclamar o direito de ser infeliz” (P. 137), e o Administrador, por sua vez, respondeu em alto e bom tom

Sem falar no direito de ficar velho, feio e impotente; no 
direito de ter sífilis e câncer; no direito de não ter quase
 nada que comer; no direito de ter piolhos; no direito de viver
 com a apreensão constante no que poderá acontecer amanhã;
 no direito de contrair a febre tifoide; no direito de ser
 torturado por dores indizíveis de toda espécie.

 Onde após um curto silêncio, responde o Selvagem: “Eu os reclamo todos” (P. 137).

Encerrada a conversa entre os dois, cada um foi para seus aposentos, sendo que Helmholtz e Bernard partiriam no dia seguinte pela manhã. Assim, estes foram ao apartamento do Selvagem para despedirem-se. Chegando ao local, encontraram John com um aspecto de doente, este que alegava ter se purificado da civilização, tomando mostarda com água morna, justificando que era assim que os índios de Malpaís faziam. E assim, pôs a se despedir de seus dois companheiros neste mundo, esquecendo todos os inconvenientes ocorridos, mas ficando os três felizes pela amizade e pela partida, encarada como uma nova oportunidade. John apenas lamenta o fato de não poder ir junto com seus amigos, pois o Administrador Geral não consentiu com seu pedido, tudo em nome desta experiência, e ainda acrescenta: “diabos me levem se eu continuar a servir de objeto de experiências” (P. 139), informando aos seus amigos que partiria também no dia seguinte, não importa para qual parte, desde que lhe seja permitido estar só!

 Era difícil encontrar neste Mundo Novo um local sem luxo e conforto, desejo do Selvagem, e o mesmo acabara por escolher um velho farol para residir (para ser seu eremitério), e apesar do lugar não ser exatamente o que ele procurava, no sentido de poder ter uma vida isenta de conforto onde suas conquistas seriam unicamente fruto de seu esforço, contentou-se com o local, que se tratava de uma construção de cimento, mas sob a condição de impor a si mesmo uma disciplina pessoal mais dura. Sua primeira noite foi de insônia e inadaptação, mas na alvorada do dia seguinte já se sentia mais confortável quanto ao local que escolhera, pois tinha eleito tal morada justamente devido à vista proporcionada pelo farol, mas mesmo assim ainda se punia, pensando coisas como “Quem era ele, para viver na presença visível de Deus? Tudo o que merecia, como habitação, era alguma pocilga suja, algum escuro buraco no chão” (P. 140)

Enfim, John se sentia em uma espécie de Lar e satisfeito consigo mesmo, pois depois de tanto tempo ocioso em Londres pôde agora sentir-se útil novamente, dedicando-se a ocupações que requeriam paciência e habilidade. Todavia, se policiava a todo tempo, pois não fora para usufruir as coisas boas da vida ou sentir-se plenamente vivo que ele tinha ido para sua nova morada, mas especificamente “para escapar à contaminação da imundice da vida civilizada” (P. 141), e era com frequência que o Selvagem tomava sua porção de água com mostarda e mesmo se auto flagelava com um azorrague, como forma de penitência.

Contudo, não demorou para que o seu estilo de vida e capacidade de viver de um modo totalmente apartado e imune das boas coisas deste Novo Mundo chamassem a atenção das pessoas, que logo começaram a assediá-lo em sua própria casa, com aparições inconvenientes, chegando inclusive a atrair a atenção do Rádio Horário, um jornal destinado às castas superiores, e o Selvagem se via novamente sem a companhia de sua própria solidão. Sem paciência, ele acaba por agredir o representante do Rádio, fato este que mais tarde sairia na próxima edição do periódico, como: “Repórter do Rádio Horário Recebe do Selvagem Misterioso um Pontapé no Cóccix” (P. 142), tornando-se a manchete sensação em Londres.

Repórteres de outros periódicos não intimidados pelo ocorrido continuaram a tentar bisbilhotar a vida de John, sendo sempre recebidos com progressiva violência, pois não mais suportava as pessoas civilizadas com seus jargões hipnopédicos, bem como a incredulidade em seu estilo de vida de dor e sofrimento, pois, nas palavras dos próprios civilizados “A dor é uma ilusão” (P.143), o que chegou inclusive a causar a fúria do jovem selvagem, fazendo com que este expulsasse as pessoas ao seu redor com uma grossa vara de amendoeira. Esta ação proporcionou a John alguns dias de descanso, até que um repórter insistente chamado Darwin Bonaparte ficara escondido por três dias perto da casa do Selvagem para captar seu modo de viver e sua rotina, sobretudo a questão da dor e do sofrimento. Esta gravação acabaria por se tornar um filme que iria para o cinema sensível, intitulado “O Selvagem de Surrey” podendo ser assistido por toda Europa Ocidental!

Sem saber do ocorrido, John continuava sua vida solitária e rústica, até que no dia seguinte à aparição internacional do filme fora subitamente surpreendido por um enxame de helicópteros. John refletia sobre a morte e questionava-se a respeito do motivo da morte de Linda, e dizia coisas como “Para os deuses, somos como moscas para as crianças travessas; matam-nos para se divertirem” (P. 144).

Uma horda de pessoas invadiu o pequeno farol onde John residia em plena solidão. O Selvagem agora era como uma espécie de celebridade cômica, e as pessoas tinham a curiosidade de conhecer este homem de vida tão sofrida; o Selvagem acabara sendo exposto como um animal de circo, o que despertou sua cólera, pois tudo que ele queria era apenas ficar só consigo mesmo, sem interferências externas, fugir da civilização, e as pessoas nunca o deixavam em paz. Em meio a pedidos pelo “chicote”, pois as pessoas desejavam ver o Selvagem se autoflagelando com seu azorrague, surge Lenina, deixando o jovem completamente confuso, empalidecido, como vemos na narração do livro tal passagem:

A jovem apoiou as duas mãos no coração, e no seu rosto 
corado como um pêssego, lindo como uma de uma boneca, 
apareceu uma expressão estranhamente incôngrua de aflição 
anelante. Seus olhos azuis pareceram dilatar-se, tornar-se 
mais brilhantes; e, subitamente, duas lágrimas rolaram-lhe 
pelas faces. Em voz inaudível, falou outra vez; depois, 
com um gesto vivo e apaixonado, estendeu os braços
 para o Selvagem e deu um passo a frente.

 O Selvagem, por sua vez, que amava a jovem, mas ainda se recordava do episódio em seu apartamento, onde Lenina tentara uma aproximação íntima com ele, se demonstrando completamente vulgar para os padrões do Selvagem, se enfurece novamente e parte para cima de Lenina tentando chicoteá-la, gritando coisas como “Cortesã! Fuinha!” (P. 146), até que Lenina é retirada do local a tempo de não obter maior prejuízo. Mediante à fúria do Selvagem, a multidão se viu envolvida naquele sentimento de violência e raiva, iniciando uma briga generalizada, pois os curiosos começaram a se agredir entre si, sob a incitação do Selvagem, que encandecido gritava “Mata! Mata!” (P. 146).

A confusão se alongou por horas, e foi apenas à noite que o último helicóptero saíra do farol, levando as últimas pessoas, que já entorpecidas pelo Soma, saiam aos poucos do local. O ocorrido fora relatado em todos os jornais, e nos dia seguinte mais pessoas voltavam para ver o Selvagem, porém não o encontraram, como de costume, prostrado em seus aposentos ou fazendo os trabalhos domésticos ou caçando, mas sim avistaram a porta do farol entreaberta, e não obtivendo resposta do jovem, resolveram entrar pela casa, que se encontrava em penumbra. Após cruzarem uma escada, se depararam com uma cena que apenas a verve literária do próprio Aldous Huxley poderia fazer jus ao momento:

   [...] Lentamente, muito lentamente, como duas 
agulhas de bússola sem presa, os pés voltaram-se para a 
direita: norte, nordeste, leste, sudeste, sul, sul-sudoeste; depois 
detiveram-se e, passados alguns segundos, recomeçaram 
a girar, com a mesma lentidão, para a esquerda. 
Sul-sudoeste, sul, sudeste, leste...

 E assim, o jovem “Mr. Savage”, talvez o único Ser civilizado nesta “civilização”, amante de Shakespeare e de uma sensibilidade tão distinta que fez com que este não se adaptasse nem em seu lugar de origem, Malpaís, nem neste Admirável Mundo Novo, que acabou por se traduzir em um “abominável mundo novo”, pois John se desiludira completamente após sua chegada neste mundo, pois era tudo completamente diferente do que ele sempre sonhou e ouvira de sua mãe Linda, que era uma sociedade perfeita, pois para este, nenhuma estabilidade social justificava a supressão da liberdade e individualidade de cada pessoa, tirou sua vida, tendo talvez agora encontrado um lugar em que ele pudesse, finalmente, alcançar o que queria, a completa solidão em companhia de si!



Em uma espécie de “considerações finais”, poderíamos dizer quão atual ainda é esta obra, haja vista o número de notas de rodapé acrescentado na resenha, de modo a realizar as citações cujas passagens incitam reflexões, de modo a não atrapalhar o enredo da obra.

 A obra fora publicada antes da Segunda Grande Guerra e duas questões foram brilhantemente levantadas pelo escritor inglês, a Revolução Sexual, com o boom do crescimento do uso de meios contraceptivos, na obra como o uso de cintos malthusianos, e a questão do crescimento do consumo de drogas, podendo se tratar desde as substâncias entorpecentes ao o uso de medicamentos psiquiátricos, tudo em nome do controle social. Huxley demonstrava total desprezo pelas drogas, relatada em sua obra como o Soma.

Algumas outras questões também merecem destaque, uma delas pode ser suscitada quando vemos uma passagem na obra quando John, recém-chegado à civilização, começa a aprender um pouco sobre esta nova sociedade, e em uma aula de geografia designada para Betas-Menos, John ouvira que “uma Reserva de Selvagens é um lugar que, devido a condições climáticas ou geológicas desfavoráveis, ou à pobreza de recursos naturais, não compensa as despesas necessárias para civilizá-lo” (P. 93). Ora, no campo da política  podemos facilmente ver esta questão, onde “Reservas de Selvagens” são mantidas, pois não apresentam nenhuma viabilidade econômica com sua mudança, e novamente a política e o dinheiro se encontram acima da dignidade da pessoa humana, basta vermos a pobreza nos países africanos ou nos grandes genocídios realizados em nome de um fim econômico, como a própria Invasão dos EUA no Iraque em 2003, em nome da “Libertação do Iraque”, mas que cujo objetivo intrínseco era ter acesso às reservas de petróleo.

Neste Admirável Mundo Novo, o que importa no final das contas é a manutenção das rodas em giro e a obtenção de uma sociedade estável, agora sem necessidade de heroísmo, pois numa sociedade convenientemente organizada, ninguém tem a oportunidade de ser nobre. John via entre os índios alguma razão para suportarem as coisas com paciência, e com a extinção da figura de Deus, esta razão e força para suportar a dor também acabara extinta. Mesmo a individualidade de cada pessoa fora suprimida, numa sociedade padronizada, onde mesmo a “fabricação” de pessoas estúpidas era programada, pois “quanto maior é o talento de um homem, mais poder tem ele para desviar os outros. É preferível o sacrifício de um à corrupção de muitos” (P. 85), e assim fora extirpada a individualidade do ser humano neste Novo Mundo, causa da inadaptabilidade do Selvagem, o único civilizado nesta “civilização”.

Por fim, outra questão a ser suscitada separadamente nesta obra é quanto à fragilidade da geração “Y”, que fora submetida às grandes e rapidíssimas mudanças proporcionadas pelo boom tecnológico da pós-modernidade, uma espécie de Admirável Mundo Novo, onde as “crianças crescem e se tornam adultos intelectualmente e durante as horas de trabalho, mas que permanecem criancinhas no que diz respeito aos sentimentos e ao desejo” (P. 57).

A possibilidade de transição entre o que o autor tenta mostrar ficticiamente em uma distopia com a realidade que é a mágica deste gênero de leitura. E afinal, após a leitura desta resenha, que possui maior foco justamente nos paralelos entre a ficção e a realidade, já lhe seria possível dizer se nossa “civilização” de hoje está mais inclinada a ser classificada como uma Reserva de Selvagens ou se estaríamos já vivendo em um Admirável (ou Abominável) Mundo Novo?

How many goodly creatures are there here! 
How beauteous mankind is!
 O brave new world, That has such people in't!



Escrito por Raphael Condessa Figueiredo 
Graduando em Direito pelo IBMEC e Filosofia pela FSB-RJ





quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Amor - Eros e Psiqué

Eros é uma das “Divindades Primordiais”, aquelas que pertencem à “pré-história” da Mitologia grega.  Na Teogonia de Hesíodo, Eros, o Amor nasce como uma força espiritual da natureza que preside a ordem do Universo nascente. Eros teria nascido do Ovo primordial (o Caos), engendrado pela Noite, cujas metades se separaram, dando origem à Terra e ao Céu. Ele é o princípio da atração universal, que leva as coisas a se juntarem, criando a vida.  Eros é a força que assegura a coesão interna do Cosmos e a continuidade da vida na terra.  Para Platão, ele seria um dáimon, uma força espiritual intermediária entre a divindade e a humanidade. Posteriormente, no cilco dos mitos olimpianos, Eros é filho de Afrodite e Ares, representado por uma criança travessa que flecha os corações para torná-los apaixonados.
O Eros verdadeiro é o deus do amor no seu sentido integral, que engloba corpo e alma. O homem e a mulher se amam (ou deveriam se amar!) sempre e em todos os lugares por uma comunhão de sentimentos que transcende o aspecto corporal. O erotismo, que verdadeiramente funciona e que faz perdurar a atração recíproca por longo tempo, está no olhar apaixonado, na admiração que o amante sente pelas qualidades físicas e espirituais que consegue enxergar na pessoa amada. O erotismo, que realmente e de uma forma mais duradoura estimula o desejo, se encontra na poesia lírica, na pintura, na dança, nos filmes sentimentais, na arte em geral, pois supera o nível do real e penetra no mundo da fantasia, do sonho, do vago sentimento do inacessível. O erotismo está mais no sugerir do que no mostrar totalmente, no claro-escuro, na promessa do idílio, no mistério a ser desvendado, na repetição do ato do amor como se fosse sempre pela primeira vez.  Como diz a poeta Adélia Prado, “erótica é a alma”!  Só que conhecer o espírito de alguém é bem mais difícil do que lhe conhecer o corpo.  Manuel Bandeira nos oferece uma reflexão interessante a respeito:

“Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque corpos se entendem; as almas, nem sempre”.

E, sobre a renovação do desejo erótico, esta bela imagem do poeta Mário Quintana: “amar é mudar a alma de casa”. Enfim o erotismo, entendido como prática do amor num sentido bem geral, é onipresente a qualquer atividade humana bem sucedida. A escritora Lygia Fagundes Telles afirma acertadamente: “Vocação é ter a felicidade de ter como ofício a paixão”.  Mas é a escritora existencialista francesa, Simone de Beauvoir, companheira do grande poeta-filósofo Jean-Paul Sartre, quem melhor define a essência da relação carnal: “O erotismo implica uma reivindicação do instante contra o tempo, do indivíduo contra a sociedade”.



Eros e Psiqué

         Era uma vez um rei que tinha três filhas. Duas eram lindas, mais a mais nova era muito, muito mais bonita. Dizia-se até que Afrodite - a deusa da beleza - não era tão bonita quanto Psiquê (esse era seu nome). Os templos de Afrodite andavam vazios porque as pessoas, principalmente os homens, passaram a cultuar aquela princesa maravilhosa. Afrodite ficou com ciúme e pediu para seu filho, Eros, preparar uma vingança. Ela queria que Psiqué se apaixonasse por um monstro horrível. Só que Eros também acabou sendo atingido pelos encantos da menina. Ele ficou tão maravilhado ao ver Psiquê que não conseguiu cumprir a ordem da mãe. Parece que foi flechado por uma de suas flechas.
      O estranho é que todos aqueles homens que ficavam enfeitiçados com sua beleza não se aproximavam e nem tentavam namorá-la. As duas irmãs, que perto da caçula não tinham a menor graça, logo arranjaram pretendentes e cada uma se casou com um rei. A família ficou preocupada com a solidão de Psiqué. Então, um dia, o pai resolveu perguntar ao oráculo de Apolo o que deveria fazer para a menina arranjar um marido. O que ele não sabia é que Eros já havia pedido a Apolo para ajudá-lo a cumprir aos planos de sua mãe. A resposta que o rei levou para casa o deixou muito mais preocupado do que já estava: o deus falou que Psiqué deveria ser vestida de luto e abandonada no alto de uma montanha, onde um monstro iria buscá-la para fazer dela sua esposa.
      Embora muito triste, a família cumpriu essas determinações e Psiqué foi deixada na montanha. Sozinha e desesperada, ela começou a chorar. Mas, de repente, surgiu uma brisa suave que a levou flutuando até um vale cheio de flores, onde havia um palácio maravilhoso, com pilares de ouro, paredes de prata e chão de pedras preciosas. Ao passar pela porta ouviu vozes que diziam assim: "Entre, tome um banho e descanse. Daqui a pouco será servido o jantar. Essa casa é sua e nós seremos seus servos. Faremos tudo o que a senhora desejar". Ela ficou surpresa. Esperava algo terrível, um destino pior que a morte e agora era dona de um palácio encantado. Só uma coisa a incomodava: ela estava completamente sozinha. Aquelas vozes eram só vozes, vinham do ar. A solidão terminou à noite, na escuridão, quando o marido chegou. E a presença dele era tão deliciosa que Psiqué, embora não o visse, tinha certeza de que não se tratava de nenhum monstro horroroso.
      A partir de então sua vida ficou assim: luxo, solidão e vozes que faziam suas vontades durante o dia e, à noite, amor. Acontece que a proibição de ver o rosto do marido a intrigava. E a inquietação aumentou mais ainda quando o misterioso companheiro avisou que ela não deveria encontrar sua família nunca mais. Caso contrário, coisas terríveis iam começar a acontecer. Ela não se conformou com isso e, na noite seguinte, implorou a permissão para ver pelo menos as irmãs. Contrariado, mas com pena da esposa, ele acabou concordando. Assim, durante o dia, quando ele estava longe, as irmãs foram trazidas da montanha pela brisa e comeram um banquete no palácio.
      Só que o marido estava certo, a alegria que as duas sentiram pelo reencontro logo se transformou em inveja e elas voltaram para casa pensando em um jeito de acabar com a sorte da irmã. Nessa mesma noite, no palácio, aconteceu uma discussão. O marido pediu para Psiqué não receber mais a visita das irmãs e ela, que não tinha percebido seus olhares maldosos, se rebelou, já estava proibida de ver o rosto dele e agora ele queria impedi-la de ver até mesmo as irmãs? Novamente, ele acabou cedendo e no dia seguinte as pérfidas foram convidadas para ir ao palácio de novo. Mas dessa vez elas apareceram com um plano já arquitetado. Aconselharam Psiqué a assassinar o marido. À noite ela teria que esconder uma faca e uma lamparina de óleo ao lado da cama para matá-lo durante o sono.
      Psiquê caiu na armadilha. Mas, quando acendeu a lamparina, viu que estava ao lado do próprio Eros, o deus do amor, a figura masculina mais bonita que havia existido. Ela estremeceu, a faca escorregou da sua mão, a lamparina entornou e uma gota de óleo fervente caiu no ombro dele, que despertou, sentiu-se traído, virou as costas, e foi embora. Disse: "Não há amor onde não há confiança".
      Psiqué ficou desesperada e resolveu empregar todas as suas forças para recuperar o amor de Eros, que, a essa altura, estava na casa da mãe se recuperando do ferimento no ombro. Ela passava o tempo todo pedindo aos deuses para acalmar a fúria de Afrodite, sem obter resultado. Resolveu então ir se oferecer à sogra como serva, dizendo que faria qualquer coisa por Eros. Ao ouvir isso, Afrodite gargalhou e respondeu que, para recuperar o amor dele, ela teria que realizar quatro tarefas. Em seguida, pegou uma grande quantidade de trigo, milho, papoula e muitos outros grãos e misturou. Até o fim do dia, Psiqué teria que separar todos os grãos. Era impossível e ela já estava convencida de seu fracasso quando centenas de formigas resolveram ajudá-la e fizeram todo o trabalho.
      Surpresa e nervosa por ver aquela tarefa cumprida, a deusa passou a segunda tarefa, ainda mais difícil: queria que Psiqué trouxesse um pouco de lã de ouro de umas ovelhas ferozes. Percebendo que ia ser trucidada, ela já estava pensando em se afogar no rio quando foi aconselhada por um caniço (uma planta parecida com um bambu) a esperar o sol se pôr e as ovelhas partirem para recolher a lã que ficasse presa nos arbustos. Deu certo, mas no dia seguinte uma nova missão a esperava.
      Agora Psiqué teria que recolher em um jarro de cristal um pouco da água negra que saía de uma nascente que ficava no alto de uns penhascos. Com o jarro na mão, ela foi caminhando em direção aos rochedos, mas logo se deu conta de que escalar aquilo seria o seu fim. Mais uma vez, conseguiu uma ajuda inesperada: uma águia apareceu, tirou o jarro de suas mãos e logo voltou com ele bem cheio de água negra.
      Acontece que a pior tarefa ainda estava por vir. Afrodite dessa vez pediu a Psiqué para ir até o Reino dos Mortos (o País de Hades, também chamado de Campos Elísios ou Érebo), pedisse à sua rainha, Perséfone, um pouco de sua beleza. A deusa estava certa de que Psiqué não voltaria viva. Mais uma vez, Afrodite se engana. Psiqué convece Perséfone a encher uma caixa com a sua beleza para Afrodite. Tudo já estava próximo do fim quando veio a tentação de pegar um pouco da beleza imortal para tornar-se mais encantadora para Eros. Ela abriu a caixa e dalí saiu um sono profundo, que em poucos segundos a fez tombar adormecida.
      A história acabaria assim se o amor não fosse correspondido. Por sorte Eros também estava apaixonado e desesperado. Ele tinha ido pedir a Zeus, o deus dos deuses, que fizesse sua mãe parar com aquilo para que eles pudessem ficar juntos. Zeus então reuniu a assembléia dos deuses (que incluía Afrodite) e anunciou que Eros e Psiqué iriam se casar no Olimpo e ela se tornaria uma deusa. Afrodite aceitou porque, percebendo que a nora iria viver no céu, ocupada com o marido e os filhos, os homens voltariam a cultuá-la. Eros e Psiquê tiveram uma filha chamada Volúpia e, é claro, viveram felizes para sempre.


Nietzsche: das três metamorfoses do espírito

"Vou dizer-vos as três metamorfoses do espírito: como o espírito se muda em camelo, e o camelo em leão, e o leão, finalmente, em criança. Há muitas coisas que parecem pesadas ao espírito, ao espírito robusto e paciente, e todo imbuído de respeito; a sua força reclama fardos pesados, os mais pesados que existam no mundo.

'O que é que há de mais pesado para transportar?' — pergunta o espírito transformado em besta de carga, e ajoelha-se como o camelo que pede que o carreguem bem. 'Qual é a tarefa mais pesada, ó heróis' — pergunta o espírito transformado em besta de carga, a fim de a assumir, a fim de gozar com a minha força? Não será rebaixarmo-nos, para o nosso orgulho padecer? Deixar refulgir a nossa loucura para zombarmos da nossa sensatez? Não será abandonarmos uma causa triunfante? Escalar altas montanhas a fim de tentar o Tentador? Não será sustentarmo-nos com bolotas e erva do conhecimento, e obrigar a alma a jejuar por amor da verdade? Ou será estar enfermo e despedir os consoladores e estabelecer amizade com os surdos que nunca ouvem o que queremos? Ou será submergirmo-nos numa água lodosa, se esta é a água da verdade, e não afastarmos de nós as frias rãs e os abrasados sapos? Ou será amar os que nos desprezam e estender a mão ao fantasma que nos procura assustar?
Mas o espírito transformado em besta de carga toma sobre si todos estes pesados fardos; semelhante ao camelo carregado que se apressa a ganhar o deserto, assim ele se apressa a ganhar o seu deserto. E aí, naquela extrema solidão, produz-se a segunda metamorfose; o espírito torna-se leão. Entende conquistar a sua liberdade e ser o rei do seu próprio deserto. Procura então o seu último senhor; será o inimigo deste último senhor e do seu último Deus; quer lutar com o grande dragão, e vencê-lo. Qual é este grande dragão a que o espírito já não quer chamar nem senhor, nem Deus? O nome do grande dragão é 'Tu deves'. Mas o espírito do leão diz: 'Eu quero'. O 'tu deves' impede-lhe o caminho, rebrilhante de ouro, coberto de escamas; e em cada uma das suas escamas brilham em letras de ouro estas palavras: 'Tu deves'. Valores milenários brilham nessas escamas, e o mais poderoso de todos os dragões fala assim: 'Em mim brilha o valor de todas as coisas. Todos os valores foram já criados no passado, e eu sou a soma de todos os valores criados.' Na verdade, para o futuro não deve existir o 'eu quero'. Assim fala o dragão. Meus irmãos, para que serve o leão do espírito? Não bastará o animal paciente, resignado e respeitador? Criar valores novos é coisa para que o próprio leão não está apto; mas libertar-se a fim de ficar apto a criar valores novos, eis o que pode fazer a força do leão. Para conquistar a sua própria liberdade e o direito sagrado de dizer não, mesmo ao dever, para isso meus irmãos, é preciso ser leão. Conquistar o direito a valores novos, é a tarefa mais temível para um espírito paciente e laborioso. E decerto vê nisso um acto de rapina e de rapacidade. O que ele amava outrora, como bem bem mais sagrado, é o 'Tu deves'. Precisa agora de descobrir a ilusão e o arbitrário mesmo no fundo do que há de mais sagrado no mundo, a fim de conquistar depois de um rude combate o direito de se libertar deste laço; para exercer semelhante violência, é preciso ser leão. Dizei-me, porém, irmãos, que poderá fazer a criança, de que o próprio leão tenha sido incapaz? Para que será preciso que o altivo leão tenha de se mudar ainda em criança? É que a criança é inocência e esquecimento, um novo começar, um brinquedo, uma roda que gira por si própria, primeiro móbil, afirmação santa.
Na verdade, irmãos, para jogar o jogo dos criadores é preciso ser uma santa afirmação; o espírito quer agora a sua própria vontade; tendo perdido o mundo, conquista o seu próprio mundo. Disse-vos as três metamorfoses do espírito: como o espírito se mudou em camelo, o camelo em leão, e finalmente o leão em criança."

Assim falava Zaratustra, e morava nesse tempo na cidade que se chama Vaca Malhada.